quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Entre a sapiência e a estupidez da liberdade de expressão

Nem sei por onde começar. O assunto, de tão estupido que é, torna-se ainda mais estúpido.
Um dia após o ataque mortal de Charlie Hebdo, jornal satírico frânces (referido no último artigo que postei), multiplicam-se as homenagens e mensagens de apoio às famílias das vítimas, ao povo francês, à actividade jornalística e, o mais importante, erguem-se vozes a favor da liberdade.

Volto a questionar neste artigo. Porque voltámos agora a questionar a liberdade?

Liberdade, como valor inquebrável e estrutura-base da humanidade das sociedades modernas e, ainda, direito constitucionalizado e um princípio da democracia. Não, não é só por causa do atentado terrorista que aconteceu ontem. E não, não é por causa da diferença de religiões, da nacionalidade dos cidadãos... É mesmo porque, e afinal de contas, a liberdade como a conhecemos ainda não está inteiramente a funcionar como todos gostaríamos. Ou alguns. Mas, o enraízamento da liberdade nas sociedades modernas está totalmente efectuado. Acontece que em algumas sociedades, que nós consideramos serem atrasadas, a liberdade consiste em poder matar quem se quiser. E o problema ainda não está aqui! O problema está no tipo de pensamento que a liberdade tornou possível e a resistência a este direito não permite a outras sociedades. Veja-se, por exemplo, o que se faz na China com o Google, cujo governo insiste em violar a liberdade de informação censurando os conteúdos que chegam aos seus cidadãos; no Vietname, com a violação da liberdade de expressar a religião praticante, pelo Partido Comunista do país; na Coreia do Norte, com a perseguição a quem expressar ideologias diferentes da ideologia vigente; e poderia continuar por aí a fora... E o mundo não se prontificou a solidarizar-se ou ajudar no que fosse preciso para apoiar aqueles que têm fome de liberdade, dentro das regras que não os permitem manifestar os seus ideais, e ainda dão a vida por aquilo que defendem e acreditam.

E enquanto surge o debate de opiniões, sobre a importância que a liberdade tem na vida diária de cada um de nós, eu fico estúpida ao perceber que muitos lutam pela liberdade até morrer e outros usufruem dessa liberdade para estupidifcar os outros.

E eis o meu espanto, quando vejo comentários às noticias que nos vão chegando. Frases sem nexo, em que, muitas dessas pessoas, eu quase que poderia afirmar que nem sabem o que estão a dizer ou a comentar quando afirmam que os muçulmanos estavam apenas a reivindicar liberdade de expressão. E ainda têm a lata de responder, a quem lhes faz ver o non-sense  da sua opinião, que "a culpa é das redes sociais que estupidificam as pessoas". Enfim, realmente tão estúpido que nem tem palavras... tem parágrafos, e com nervos, tão grandes que quase perco a noção entre liberdade de expressão e perda de consciência. Claro, os meus nervos ficam-se por aqui. Contra-argumento consoante aquilo que penso e acredito. O pensamento e a crença: exactamente aquilo que nos distingue! Precisamente aquilo que eu queria exemplificar para que vocês percebam o meu ponto de vista. Eu poderia, à luz dos acontecimentos de ontem, começar a coleccionar nomes e comentários e exterminar essas pessoas para que eu não tivesse de lidar mais com opiniões e pensamentos contrários aos meus (e estúpidos). Enfim... em que me ajudaria isso? E com que direito teria eu de terminar a vida de um outro ser humano como eu?

Então fiquei estupidificadamente solidária com a estupidez que as redes sociais tendem, hoje em dia, em estupidificar pessoas. E ainda em torná-las tão estupidificadamente estúpidas, ao ponto da estupidez natural não se comparar com a aberração da estúpidez construída através, do tempo e uso, das redes sociais. Talvez o melhor seja, estupidamente, acabar também com elas (entenda-se a estupidez da ironia), e assim a troca de argumentos se torne mais inteligente e menos estupidificada. É realmente estupidificante o que uma opinião de uma pessoa a pode estupidificar.

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