domingo, 25 de janeiro de 2015

Parentalidade LGBT negada perante a lei

No passado dia 22 de janeiro, os partidos portugueses com assento parlamentar votaram projetos-lei, do BE, PEV e PS, referentes ao acesso à parentalidade pelas pessoas LGBT. Acesso esse que foi novamente negado pela maioria dos deputados.

A contagem final demonstra que 90 deputados do parlamento estão a votar, em plena consciência, pelos direitos dos seus cidadãos. O direito de escolha mediante as opções disponibilizadas: o direito dos pais/mães terem a igualdade de adoptar uma criança, se assim o desejarem, ou por via medicamente assistida.


O chumbo destes projectos-lei deveu-se à maioria PSD/CDS, 120 votos contra, que continuam implacáveis na hora de atribuir às crianças o direito de terem uma família. Sim, porque não é só o direito a parentalidade que esta em causa, mas também o direito das crianças poderem ter uma família, um lar, uma educação e serem alguém na vida. Mas a opinião de 120 deputados que representam os cidadãos portugueses no Parlamento é de que as crianças estão melhores nos orfanatos e instituições e os casais LGBTs tem mais jeito para "tomar conta" de animais de estimação.

O bom senso e reflexão dos factos levam-me a outra questão.

As famílias que estão em causa são em tons de arco-íris. Para esclarecer um pouco o conceito de famílias arco-íris, para quem não conhece, são as famílias constituídas por casais de pessoas do mesmo sexo, mães lésbicas, pais gays, e pais e mães bissexuais e/ou transgénero. Tenta-se que o acesso à adopção seja igualitário para todos os seres humanos, homens ou mulheres, que desejem ser progenitores independentemente do seu sexo. Essa é a ideia que precisa ser clarificada. Outra diferente é o acesso a essa mesma adopção por parte de um casal, dois membros que demonstram a mesma vontade de criar uma família. E é entre estas duas premissas que nos debruçamos. : adopção singular reconhecida (um LGBT solteiro ou com parceiro que, em ambos casos, omitem a parte "LGBT" e o seu cônjugue); e adopção plural LGBT não reconhecida (por dois LGBTs assumidos).

O acesso deve ser um direito livre para todos os que quiserem ser pais/mães solteiros ou em casal. Porque além do acesso à parentalidade pelas pessoas LGBT, está aqui em causa também a legalização dos pais/mães que estão interditos de perfilhar as crianças que já cuidam, educam, levam à escola, brincam, ensinam regras, dão ralhetes, dão amor, etc..., há anos! Pais e mães que não são reconhecidos legalmente como pais porque os seus nomes não constam da identificação de parentalidade dos seus filhos. Mas a indignação e a luta destes pais/mães para obterem o mesmo titulo que outro pai/mãe, no seio de um casal heterossexual tem direito evidentemente, está no outro lado da questão. É que esta luta é, na minha opinião, sobretudo, pela criança. A criança que vê nos seus documentos ser reconhecido apenas um membro da família e o outro, a quem chama pai/mãe e o reconhece como tal todos os dias da sua vida, mas na realidade não consta do seu documento de identificação - o legado da co-adopção.

Agora, só na próxima legislatura é que estes projectos-lei, ou outros novos, voltam a ser apresentados em plenário.
Até lá perdem as famílias e as crianças oportunidades de terem um lar rodeado de amor e de serem felizes.


Famílias constituídas por casais de pessoas do mesmo sexo, mães lésbicas, pais gays, e pais e mães bissexuais e/ou transgénero - See more at: http://familias.ilga-portugal.pt/about#sthash.pzwXKrJk.dpuf
os projetos-lei do BE, PEV e PS referentes ao acesso à parentalidade pelas pessoas LGBT - See more at: http://familias.ilga-portugal.pt/#sthash.BIiFVwJs.dpuf
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sábado, 24 de janeiro de 2015

Abusos sexuais: A mensagem inspiradora de Anna Lee Gruenwald

Estava a fazer scroll pelo feed do Facebook quando encontrei um vídeo que captou a minha total atenção. Anna Lee Gruenwald, uma rapariga de nacionalidade peruana que decidiu contar a sua história de vida de um vídeo público. Anna foi abusada sexualmente e encontrou na auto-mutilação a solução para esquecer os seus problemas. O objectivo principal da sua mensagem é chegar ao maior número de pessoas que sofreram do mesmo género de abusos que não estão sozinhas e transmitir, através do seu testemunho, o quão importante é erguer a voz e agir perante situações desta natureza.

Assim que me deparei com a publicação, os meus olhos foram para o final da descrição do video, onde se pode ler Stay strong! (Sê forte!). Não levei nem cinco segundos a clicar no play. Nos primeiros momentos do vídeo senti que, muito corajosamente, estava ali uma história pessoal a ser revelada, após tantos anos em silêncio. E pensei para mim própria que "é preciso ter muita força e coragem" para ultrapassar todas as situações que ela passou e, ainda assim, dar a cara por isso. 


Os relatos do vídeo
Anna foi abusada sexualmente pelo padrasto e guardou isso em segredo, sem contar para a própria mãe. Ela sentiu repulsa pelo que tinha acontecido mas também dela própria. Então começou a automutilar-se, até ao dia que a expulsaram da escola pela posse de uma arma que servia esse propósito. A mãe, que desconhecia toda a história, não compreendia o comportamento da filha e internou-a num hospital psiquiátrico. Anna conheceu, nessa altura, muitas outras pessoas que passaram pelo mesmo e agiam de igual forma. Quando o internamento acabou, e ela voltou para casa, decidiu contar a mãe toda a verdade, e esta por sua vez convenceu a filha a reportar o caso as autoridades. Infelizmente, o caso já tinha ocorrido há algum tempo e não haviam provas que pudessem abrir o caso. Na tentativa de esquecer estes acontecimentos, Anna saía a noite para se divertir. Numa dessas noites, um rapaz que era supostamente seu amigo agarrou-a e forçou-a a uma relação sexual totalmente não consentida. A mãe, que apareceu a meio do sucedido, ainda conseguiu afastá-lo e fotografar todos os indícios do crime para apresentar queixa na polícia. O último agressor, além das marcas físicas e psicológicas que lhe deixou, ainda a difamou pela escola, a dizer que ela era uma puta e dormia com todos. Anna tinha medo. E acabou por voltar aos sentimentos de culpa e consequentes actos de mutilação. Por esse motivo, deu entrada muitas vezes nos hospitais e precisou de mais acompanhamento e tratamento psicológico. Passado o trauma, Anna refere ser completamente saudável e feliz com a vida que leva actualmente, e com isso, e ter ganho a coragem necessária para falar publicamente e poder ajudar outras pessoas que tenham passado ou que estejam a passar pelo mesmo que ela passou.


Depois de conhecer esta história de vida, escrevi um breve post no meu mural de Facebook, mas achei que merecia muito mais respeito e esclarecimento do que isso. Então resolvi transcrevê-lo e aprofundá-lo com um artigo no blog, pois tenho total consciência de que um testemunho destes não pode ficar esquecido pelo tempo num feed de uma rede social. E assim compartilho este relato que, de muitas maneiras, pode ajudar outras vítimas a levantar as suas vozes contra todos os tipos de abuso. E também para que todos os pais e familiares possam compreender melhor as atitudes, e o consequente comportamento, que os seus filhos adoptam, sendo que,  à primeira vista, parecem não ter qualquer tipo de problema. Aliás, o problema está em não haver um diálogo aberto e sincero que permita aos pais e filhos debater sobre estas questões com liberdade, sem medos e sem receios de serem julgados. O primeiro indício pode ser esse mesmo, a recusa no diálogo, pois o relembrar destas situações já representam, por si só, um grande sofrimento. 

Então, mais do que ajudar as vítimas no depois, também é importante tentar prevenir estas situações. Ter conhecimento dos abusos e ficar calado e consentir estes actos. É hora de acabar com o abuso sexual e de quebrar com esta culpa psicológica e emocional, que transtorna apenas a vitima. Espero que a justiça possa intervir e agir o mais rapidamente contra os agressores.  

Se vocês conhecerem alguém com um caso semelhante, denunciem e reportem as autoridades. Tentem prestar todo o auxilio possível a vitima, o choque e o trauma não lhe vão permitir continuar a ser as mesmas pessoas. É necessário todo um acompanhamento que lhes faça ver que ainda há uma forma de continuarem as suas vidas e que o a auto-mutilação e/ou o suicídio não são, nunca, as únicas soluções existentes.

Eu amo os meus caracóis

Gostava de deixar aqui o meu testemunho baseado naquilo que é a minha experiência enquanto "pessoa com cabelo encaracolado". E isto vem a propósito da campanha da Dove, Dove: Love Your Curls, que incentiva quem tem cabelo encaracolado a amar o tipo de cabelo que a natureza lhe ofereceu.

Eu também cresci com este pensamento. Não gostava do meu cabelo e sonhava com o dia em que ele se ia tornar liso, assim de um dia para o outro. Mas isso nunca aconteceu. Quando as pessoas me diziam que eu tinha um cabelo lindo e que adoravam ter um cabelo "assim", eu respondia imediatamente: "Assim como? Despenteado?! Só dizes isso porque não tens um cabelo igual ao meu". Ficava irritada e achava mesmo que só diziam isso porque não tinham mais nada para dizer. Outras ainda me diziam: "Às vezes faço permanentes mas o teu cabelo parece que está sempre assim, com permanente. Adorava não ter de pagar para que ficasse sempre assim!". E eu só pensava que estavam todos a enlouquecer...

Muitas vezes preferia prender o cabelo com elásticos do que deixá-lo solto, pois não condizia com o tipo de pessoa que eu gostava de ver ao espelho. Para mim, ver o meu cabelo ao natural, sem espuma ou gel, era completamente horrível. Talvez a expressão mais correcta fosse mesmo um martirizante, porque eu não conseguia sossegar enquanto ele não estivesse minimamente 'perfeito".

Mas uma pessoa de cabelo encaracolado está sempre rodeada de pessoas de cabelo liso, prontas a opinar sobre "a beleza" deste tipo de cabelo ou sobre os cortes mais favoráveis. (E bem, nem vou aqui falar de cortes porque isso seria nunca mais sair daqui!!). Mas as pessoas de cabelo liso que saem todos os dias à rua com um cabelo que brilha naturalmente, esvoaça com o vento com o seu movimento rápido e natural, e não fica espetado e pode ser facilmente ajeitado com a mão, não sabem o que é ter de ficar quase 30 ou 40 minutos a olhar para o espelho a pensar "no que vai ser hoje?" e atentar todo o tipo de penteados sem sucesso. Simplesmente, passam uma escova e um secador e voilá.

Entretanto o tempo foi passando e apercebi-me que nada podia fazer em relação ao tipo de cabelo que tinha. Tive de aprender a dominá-lo. E tive de aprender a cuidá-lo, que é a coisa chata do mundo e que mais tempo demora. E comecei a ver também que afinal podia fazer muitas coisas diferentes com o meu cabelo, coisas que os cabelos lisos não permitem por serem demasiado "escorregadios" ou "sem volume", como prender ganchos ou fazer tranças. E comecei a reparar que, afinal, ele até me ficava muito bem encaracolado, pois fazia uma boa combinação com o meu tom moreno de pele. E assim fui aprendendo a gostar do meu cabelo e, aos poucos, mesmo depois de lhe ter feito tanto mal (desfrizar, descolorar, cortá-lo sem jeito...), lá me foi conquistando.

Agora entendo o que queriam dizer com "o teu cabelo é 'assim'". Ele é "assim": rebelde, diferente, incontrolável, único. Ele é bonito, sim. Tem um toque de glamour. Faz parte de mim, da minha aparência, da minha personalidade. É difícil lidar com ele todos os dias, mas hoje já não quero mudar. Talvez por uma ocasião especial o possa alisar, mas não para toda a minha vida.

Então eu descobri que o meu cabelo é "assim", encaracolado. E que eu gosto muito dele. E que não o troco por mais nenhum. E que sou feliz "assim". E espero que todas as meninas que também tenham cabelo encaracolado, crespo ou frisante, amem o seu cabelo e façam partido da beleza natural de que usufruem.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Eu sou John Jolie-Pitt

Quem é Shiloh? Shiloh é nada mais, nada menos, do que uma filha de Angelina Jolie e Brad Pitt. Dos seis filhos do casal, Shiloh é a primeira criança biológica. Angelina e Brad têm 3 filhos adoptados e 3 filhos biológicos. Shiloh nasceu a 27 de Maio de 2006, em Namíbia. E, sem ser o facto de ser filha de pais famosos, talvez nunca fossemos ouvir falar dela.

Contudo, no mês passado os pais de Shiloh vieram publicamente pedir a todos que esquecessem o seu nome, e a começassem a tratar por John. John, que é um nome masculino e, portanto, tudo se torna confuso para algumas pessoas. Segundo o casal confirmou, Shiloh não quer ser tratada por esse nome e nem sequer o reconhece como sendo ela própria. Na verdade, Shiloh exige ser chamada por John, assim como é de sua preferência vestir roupas e fazer penteados de menino. Ou seja, Shiloh nasceu menina, mas desde muito cedo que sente ser um menino. Então pediu aos pais que a tratassem deste modo. O pedido foi aceite e foi também divulgado para que toda a gente deixa-se de olhar para ela como sendo uma menina, mas sim um menino.

Então John, o menino de quem estou a falar, é loiro e tem uns lindos olhos azuis, meio acinzentados. Nasceu menina, mas desde os três anos que revela gostar de se vestir com a roupa dos seus irmãos. De facto, quando Angelina o chamava de Shiloh, ele reiterava imediatamente ser John. A avó paterna, Jane Pitt, não gostava da maneira como a criança se vestia e, então, tentava convencê-la a vestir-se de modo diferente, comprando-lhe vestidos de princesas e de fadas. Angelina não gostava da persistência da sogra, irritando-se com as suas atitudes e demonstrando aos seus filhos que eles poderiam ser quem quisessem ser. E, assim, com respeito e compreensão, apercebendo-se que não se tratava apenas de uma fase, o casal Jolie e Pitt resolveu demonstrar em público como se deve lidar com uma situação tão delicada e séria deste género, dando o exemplo do seu filho.

Há algum tempo atrás, escrevi aqui um artigo sobre o facto do país alemão dar a hipótese de registar os bebés recém nascidos sem identificar o sexo. (ver artigo: Alemanha regista bebés com "sexo indefinido". No entanto, no caso de John que foi registado como sendo uma menina, terá de esperar muito provavelmente até à idade adulta para poder alterar a sua identificação legalmente e, se assim for o seu desejo, como parece que é, avançar com todos os procedimentos de modificação hormonal. Contudo, segundo refere uma psicóloga ao Telegraph, ainda que a criança se identifique com o género oposto, esta pode vir a identificar-se como trangénero ou explorar os dois géneros. E o mais importante nesta situação, e em todas as outras que possam existir no mundo, é a aceitação da criança como ela é, dando-lhe a liberdade de ser o que quiser e poder explorar a sua sexualidade.

A identidade de género é a percepção que a pessoa tem de si própria. Transgénero é a identidade de género utilizada pelas pessoas que não se identificam com o género com que nasceram ou que se identificam com ambos. Ou seja, o sexo biológico ou genital não coincide com a realidade dos desejos, pensamentos e acções de alguém.

A título de exemplo, em 2012, na Argentina, foi decretada uma lei pioneira que garante a alteração do nome, sexo, fotografia e documentos de identificação para qualquer pessoa que, com mais de 18 anos, considere ter um género diferente daquele que apresenta na sua certidão de nascimento. Para isso, basta apenas autodeterminação do próprio indivíduo. Um pouco antes, ainda no governo de Sócrates, também se discutia um projecto de lei sobre a identidade de género, que a 16 de março de 2011, passaria a reconhecer este direito aos transgéneros portugueses. A nova lei portuguesa previa, assim, a apresentação de um relatório médico assinado por dois profissionais da área da saúde, exigido por lei, e um requerimento em que o próprio indivíduo declare a sua intenção na alteração de género. No próximo dia 14 de janeiro de 2015, a Assembleida da República irá debater sobre a introdução da identidade de género no Código do Trabalho de forma a garantir também que a legislação proteja todas as pessoas «trans» no local de trabalho.

Pode ser que num futuro bem próximo, tenhamos mais conhecimento de outros Johns que estão por aí, felizes pela sua identidade de género modificada ou reconhecida, sem preconceitos, sem discriminação e com todo o amor e apoio das suas famílias. O importante é acreditar, dar o exemplo e continuar a lutar pelos direitos humanos de quem não pediu para se deparar com uma natureza diferente da sua ou com o julgamento dos que não entendem os seus pensamentos e desejos.

A propagação eminente da violência no mundo


No dia 11 de janeiro, França foi a capital do mundo. A manifestação em prol da liberdade de expressão e solidariedade para com os jornalistas assassinados do jornal satírico Charlie Hebdo obteve uma adesão histórica. Entre as 200 mil pessoas presentes, estiveram também líderes políticos mundiais, que se tinham reunido momentos antes para debater os desafios que estes massacres trouxeram para a Europa. O combate ao terrorismo e ao medo como forma de repressão consistiram nas palavras de ordem do movimento que foi transmitido por toda a comunicação social internacional.

Mas França não foi o único local de massacre da semana que passou. Também na Nigéria, os militares de Boko Haram, conseguiram levar a cabo um acto brutal, através de uma criança-bomba de apenas dez anos, que culminou em centenas de mortos. Em Aceh, Indonésia, uma mulher de 21 anos foi condenada em 200 chicoteadas e seis meses de prisão por alegado adultério. A rapariga, de 19 anos na altura, foi violada 14 vezes por um grupo de sete homens, como um género de punição por esta ter conduzido sozinha com um homem no carro que não era o seu cônjugue. As violações foram vistas pelos sauditas como uma acção justa e merecedora e, entretanto sabe-se publicamente que o advogado que defendia os direitos desta mulher foi suspenso do caso. Dois anos após ter sido violentada, chega agora a sentença judicial de todos os arguidos: o homem que estava com ela foi condenado a 6 anos de prisão e os agressores obtiveram penas entre os 2 e 9 anos de prisão. Também na Arábia Saudita, um blogger que viu o seu apoio à liberdade de expressão ser reconhecido internacionalmente foi detido. Raif Badawi foi condenado a 10 anos de prisão e mil chicoteadas por defender "pensamentos liberais" e insultar o islão.

A intolerância praticada por grupos dos países árabes já não é, infelizmente, novidade nenhuma. Contudo, a multiplicação destes actos bárbaros tem sido mais divulgada pela comunicação social e debatida pela opinião pública. O facto de as pessoas terem acesso a este tipo de informações tornou-se muito importante para a aprendizagem e conhecimento de outras realidades, não tão distantes das nossas, onde todos os dias são cometidos crimes humanos deste género.

A denunciar o fundamentalismo islâmico insurge-se também o papa Francisco, que afirma ser uma "forma desviante de religião". O líder da igreja católica evidencia a propagação destas ideologias como forma justificativa de prepetuar este tipo de massacres violentos, como os que ocorrem com o jornal satírico Charlie Hebdo. O Papa debruça-se ainda sobre as questões de violência, referidas nos parágrafos acima, e não só considera como "abominável" o rapto e escravatura de jovens raparigas por militares de Boko Haram, Nigéria, como também condena, com «brutal inexplicação», a imperdoável tortura submetida a crianças pelos talibãs, no Paquistão. Além dos massacres ocorridos a semana passada, a figura máxima do Vaticano, alerta ainda para a "escravatura" ideológica por todo o mundo, através do uso da violência, e faz ainda uma pequena referência para a necessidade de um "cuidado, atenção e protecção" especiais aos refugiados cubanos que se estão a mover para os Estados Unidos da América.

O movimento "Je suis Charlie", que dá voz à liberdade de expressão e informação pelos jornalistas assassinados em Paris, continua. Hoje, foi divulgada aquela que será a primeira página do jornal Charlie Hebdo, que mantém as suas funções na sede do jornal Libération. Mais uma vez, surge o profeta Mahomé com uma placa entre mãos em que afirma que também ele é Charlie, enquanto se pode ler na manchete "tudo é perdoável". A figura religiosa, "proíbida de representar", aparece ainda com uma lágrima, demonstrando-se triste pelos acontecimentos levados a cabo em seu nome. Entretanto, a Al-Qaeda do Magreb já veio anunciar que vão ser efectuados mais ataques terroristas em França por estes continuarem a insultar o Islão e o profeta Mahomé, assim como exigiu também a retirada das tropas francesas do Mali, República Africana, Iraque e Síria. Na lista de possíveis locais-alvo de terrorismo divulgados encontram-se ainda Espanha, Inglaterra, Holanda, Suécia, Rússia e outros estados da América.

A propagação do medo pela Al-Qaeda e o "not afraid" dos Franceses não está a ajudar no melhoramento das relações entre os envolvidos. Por um lado, o uso do terror como forma de espalhar o fundamentalismo islão. Por outro, a reiteração de um valor e direito civilizacional que pretende dar voz a toda e qualquer opinião. Quando e como é que isto vai acabar?, perguntamos todos nós, ao perceber que esta é uma questão além fronteiras. Muitos de nós, inclusive eu, acreditamos que esta ameaça aos valores da liberdade pode vir a culminar numa terceira guerra mundial. A Europa já tentou intervir noutros locais e noutros continentes, e o balanço que podemos daí retirar são alguns sucessos e muitas mortes, e agora os mesmo agressores retornam, através das acções de nativos europeus que absorveram as ideologias do Islão, para atacar os que tentaram travar as suas acções. Então torna-se legítimo perguntar: em que ponto estará a Europa preparada para enfrentar o terrorismo que não conseguiu travar noutros países?

sábado, 10 de janeiro de 2015

O renascer das ideologias políticas extremistas

Pena de morte, encerramento das fronteiras e nacionalidade única

A França foi um dos últimos países europeus a abolir a pena de morte. A abolição foi constitucionalizada em 1981, embora hoje em dia ainda exista uma grande parte da população francesa que concordaria com a anulação desta lei. A pena capital foi referida recentemente por Marine Le Pen, líder da extrema-direita francesa pela Frente Nacional, como a grande resposta às actividades terroristas futuras.
Os ataques terroristas em França alimentaram, então, a visão extremista de Le Pen e acenderam o diálogo sobre a pena de morte.

Marine Le Pen defende também que o encerramento das fronteiras permite o controlo da comunidade francesa. De uma forma clara, Le Pen quer interditar saídas e entradas no país, como forma de evitar não só actos radicais como os ocorridos esta semana, como evitar também a entrada de comunidades emigrantes no território francês.

Aliás, à luz da sua intenção de abolir ainda a nacionalidade dupla, os cidadãos teriam que escolher qual a nacionalidade que pretendem representar e, consequentemente, perder os direitos que acumulam.


Os países europeus condenaram os actos terroristas praticados pelos jihadistas radicais. Nós sabemos que eles agiram em conformidade com os seus propósitos fanático-religiosos e políticos contra as blasfémias da grande liberdade ocidental. E assim, Le Pen sugere simplesmente retribuir com a mesma moeda: pena de morte. Então... serei só eu a julgar que Le Pen é tão radical quanto os jihadistas que aterrorizaram o estado democrático que ela defende? É que do ponto de vista da clareza de ideias e ideais, não sei quem se acha mais lúcido nesta temática.

A abordagem da pena de morte só demonstra que a líder da extrema-direita prevê um futuro totalitário e fascista para a França. E entre as demências dos jihadistas e a visão xenófoba desta senhora, se eventualmente ela conseguir vencer as eleições presidenciais em 2016, eu só consigo prever um futuro ainda mais obscuro para o país francês: pânico social; descredibilização total das classes políticas e submissão a uma única ideologia; e, claro, um retrocesso profundo em termos civilizacionais e humanos, já para não falar das saídas obrigatórias da França como estado-membro da União Europeia e do Conselho Europeu.

É claro que eu dúvido que este cenário se torne realidade. No entanto, é urgente que François Hollande adopte uma posição bastante justa face às necessidades que o seu país apresenta, contando que o primeiro ministro consiga dar a volta a esta crise de segurança que, a não parar por aqui, trará também uma crise social ao país. A comparação entre actos criminais isolados e actos terroristas deliberados poderá vir a ser muito perigosa a curto e longo prazo, assim como a generalização entre comunidades e etnias.

Esta é ainda a grande oportunidade para François Hollande fazer da França, mais uma vez, o modelo a seguir em termos legislativos para toda a Europa e aproveitar o agora para afastar das intenções de voto a sua alternativa, grande concorrente: a extrema-direita. Para isso, Hollande deve proteger os ideais republicanos de liberdade e igualdade contra a tentativa de usurpação, interna e externa, em termos ideológicos e religiosos, do poder democrático.

Ataques terroristas em França: os factos

A notícia

Os três suspeitos do ataque terrorista ao jornal parisiense Charlie Hebdo foram hoje, pelas 17 horas de França, abatidos pelos policiais franceses, pondo término à principal ameaça terrorista que atormentou, por três dias, o país francês.
Previamente, os irmãos Said e Cheriff Kouachi entraram numa empresa gráfica, em Dammartin-en-Goële. Os irmãos entraram na gráfica afirmando serem polícias e alertaram a um comerciante que se encontrava no local para se ir embora, alegando que os próprios «não matariam civis». Contudo, acabaram por fazer um refém e durante as negociações de libertação da vítima, entre os criminosos e as forças policiais, os irmãos fizeram questam de manifestar o seu desejo em «morrer como mártires».
Enquanto isso, Amedy Coulibaly, o terceiro suspeito do atentado ao jornal, barrica-se num supermerdo judeu, no centro de Paris, fazendo vários reféns.
No decorrer das horas, as forças policiais estabeleceram contáctos com os sequestredores para libertarem as vítimas, e numa tentativa também, numa suposição da opinião pública, de capturá-los vivos. Os terroristas estabelecem ainda contácto com a rádio francesa BFM. Enquanto os irmãos confirmam que os seus actos estão de acordo com os seus mandários, a Al-Qaeda do Yémen, Coulibaly admite conhecer os Kouachi e exige a libertação destes.
Após horas de negociação, as forças de segurança aproveitam um canso e relaxamento de Coulibaly para agir e terminar com o cerco aos terroristas e resgatar os reféns. Os policiais franceses avançam então, simultaneamente, e fazem soar explosões e tiroteios entre os envolvidos. Os três suspeitos da morte de 12 jornalistas e 2 políciais em Paris, são oficialmente dados como mortos, assim como 3 reféns que estavam no supermercado.


Os comentários políticos

Após o desfecho ditado pelos oficiais franceses, que culminou na morte dos três terroristas envolvidos no ataque a Charlie Hebdo, fizeram-se ouvir as vozes políticas.
O primeiro ministro francês, François Hollande, confessou que existe uma «enorme falha de segurança» que se torna visível pelo número de mortes, e destacou a emergência em implementar medidas anti-terroristas no país.
Já o presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, engrandeceu os esforçoes e acções da polícia francesa e alertou para a possibilidade de uma continuação de outros ataques terroristas.


A discussão sobre a legislação anti-terrorista na França

À luz dos primeiros ataques contra o jornal, a líder da extrema-direita, Marine Le Pen, aproveitou para falar à comunicação social. Le Pen afirmou querer reintruduzir a pena de morte e apelou ao voto dos eleitores para as próximas eleições presidenciais em 2016. A líder da Frente Nacional demonstrou ainda a sua vontade em abolir a nacionalidade dupla e fechar as fronteiras francesas à emigração.
O primeiro ministro François Hollande, por sua vez, aclamou internamente à necessidade de leis que regulamentem a segurança anti-terrorista de forma não xenófoba, e externamente ao encontro e debate político entre as principais vozes da Europa.


Investigações acerca dos suspeitos

As forças de inteligência dos EUA confirmaram hoje que um dos irmão Kouachi estava proíbido de entrar em terras americanas e que, de facto, este e muitos outros suspeitos de terrorismo, estavam sob observação já há algum tempo.
Os três suspeitos têm em comum a ligação uma célula jihadista muçulmana e, antes de morrerem, afirmaram ter sido financiados pela Al-Qaeda do Yémen. As forças de inteligência americanas afirmam que cada célula agrupa cerca de 10 membros, e conseguiram apurar que, ligados a esta célula jihadista estão ainda membros de nacionalidades holandesa e belga.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Entre a sapiência e a estupidez da liberdade de expressão

Nem sei por onde começar. O assunto, de tão estupido que é, torna-se ainda mais estúpido.
Um dia após o ataque mortal de Charlie Hebdo, jornal satírico frânces (referido no último artigo que postei), multiplicam-se as homenagens e mensagens de apoio às famílias das vítimas, ao povo francês, à actividade jornalística e, o mais importante, erguem-se vozes a favor da liberdade.

Volto a questionar neste artigo. Porque voltámos agora a questionar a liberdade?

Liberdade, como valor inquebrável e estrutura-base da humanidade das sociedades modernas e, ainda, direito constitucionalizado e um princípio da democracia. Não, não é só por causa do atentado terrorista que aconteceu ontem. E não, não é por causa da diferença de religiões, da nacionalidade dos cidadãos... É mesmo porque, e afinal de contas, a liberdade como a conhecemos ainda não está inteiramente a funcionar como todos gostaríamos. Ou alguns. Mas, o enraízamento da liberdade nas sociedades modernas está totalmente efectuado. Acontece que em algumas sociedades, que nós consideramos serem atrasadas, a liberdade consiste em poder matar quem se quiser. E o problema ainda não está aqui! O problema está no tipo de pensamento que a liberdade tornou possível e a resistência a este direito não permite a outras sociedades. Veja-se, por exemplo, o que se faz na China com o Google, cujo governo insiste em violar a liberdade de informação censurando os conteúdos que chegam aos seus cidadãos; no Vietname, com a violação da liberdade de expressar a religião praticante, pelo Partido Comunista do país; na Coreia do Norte, com a perseguição a quem expressar ideologias diferentes da ideologia vigente; e poderia continuar por aí a fora... E o mundo não se prontificou a solidarizar-se ou ajudar no que fosse preciso para apoiar aqueles que têm fome de liberdade, dentro das regras que não os permitem manifestar os seus ideais, e ainda dão a vida por aquilo que defendem e acreditam.

E enquanto surge o debate de opiniões, sobre a importância que a liberdade tem na vida diária de cada um de nós, eu fico estúpida ao perceber que muitos lutam pela liberdade até morrer e outros usufruem dessa liberdade para estupidifcar os outros.

E eis o meu espanto, quando vejo comentários às noticias que nos vão chegando. Frases sem nexo, em que, muitas dessas pessoas, eu quase que poderia afirmar que nem sabem o que estão a dizer ou a comentar quando afirmam que os muçulmanos estavam apenas a reivindicar liberdade de expressão. E ainda têm a lata de responder, a quem lhes faz ver o non-sense  da sua opinião, que "a culpa é das redes sociais que estupidificam as pessoas". Enfim, realmente tão estúpido que nem tem palavras... tem parágrafos, e com nervos, tão grandes que quase perco a noção entre liberdade de expressão e perda de consciência. Claro, os meus nervos ficam-se por aqui. Contra-argumento consoante aquilo que penso e acredito. O pensamento e a crença: exactamente aquilo que nos distingue! Precisamente aquilo que eu queria exemplificar para que vocês percebam o meu ponto de vista. Eu poderia, à luz dos acontecimentos de ontem, começar a coleccionar nomes e comentários e exterminar essas pessoas para que eu não tivesse de lidar mais com opiniões e pensamentos contrários aos meus (e estúpidos). Enfim... em que me ajudaria isso? E com que direito teria eu de terminar a vida de um outro ser humano como eu?

Então fiquei estupidificadamente solidária com a estupidez que as redes sociais tendem, hoje em dia, em estupidificar pessoas. E ainda em torná-las tão estupidificadamente estúpidas, ao ponto da estupidez natural não se comparar com a aberração da estúpidez construída através, do tempo e uso, das redes sociais. Talvez o melhor seja, estupidamente, acabar também com elas (entenda-se a estupidez da ironia), e assim a troca de argumentos se torne mais inteligente e menos estupidificada. É realmente estupidificante o que uma opinião de uma pessoa a pode estupidificar.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O preço da luta pela liberdade de expressão

O jornal satírico Charlie Hebdo foi alvo de um tiroteio, esta manhã em Paris, França, que vitimou mortalmente dez jornalistas e dois polícias. O atentado ocorreu pelas 11h30 quando três homens encapuçados, armados com metrelhadoras, entraram na redacção do jornal e atiraram contra os jornalistas. Segundo o New York Times, o tiroteio, protagonizado por prezumíveis jihadistas, teve cinco minutos de duração e fuga imediata dos executantes. Uma das cartoonistas do jornal testemunha que o grupo a obrigou a digitar o código de entrada do edifício e se reivindicaram como pertencentes à al-Qaeda.

Chalie Hebdo já havia sido alvo de uma bomba que destruiu por completo a antiga sede do jornal. O jornal assumia-se como um orgão de comunicação social independete, de humor negro em matérias muito controversas como a religião, a política e os próprios media. Na origem dos ataques estão os almanaques criados e publicados pelo jornal de forma a ridicularizar os jihadistas. Em 2006, o jornal incluíu na sua capa uma banda desenhada de Mahomé em que o humor negro foi alvo de duras críticas e vista como uma ofensa à religião muçulmana.

O jornal, que pretendia ser visto como uma reacção libertária, encontra-se neste momento inactivo. François Holande, primeiro ministro da França, declarou publicamente tratar-se de um «acto terrorista» contra a liberdade de expressão e mandou reforçar a segurança de outras redacções no próprio país, sendo que alertou igualmente aos países vizinhos para efectuarem igualmente um reforço nas sedes dos meios de comunicação social.

O presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, tornou público o seu apoio para com os ideais franceses de liberdade e disponibilizou «assistência para fazer justiça face aos terroristas». Também Angela Merkel, Chanceler da Alemanha, reiterou que o acto significou «não só um ataque à segurança» dos cidadãos franceses, como representou ainda «um ataque à liberdade de expressão e liberdade de imprensa, que consiste num elemento fundamental da cultura democrática.

Por todo o mundo, milhares de cidadãos, jornalistas e cartoonistas estão solidários com a perda das vítimas e manifestam-se agora pelo direito à liberdade de expressão.


Em Portugal, vemos claramente estes ideais descritos na Constituição Portuguesa:

- Direito à Integridade Pessoal;
- Direito à Liberdade e à Segurança;
- Liberdade de Expressão e Informação;
- Liberdade de Imprensa e Meios de Comunicação Social;
- Liberdade de Consciência, de Religião e de Culto;
- Liberdade de Criação Cultural.

Mas em que ponto estará o país assegurado e preparado contra a violação destes valores e a um atentado deste tipo?

O Inimigo Público, publicação portuguesa que mais se assemelha ao jornal francês referido, demonstrou-se solidária e satiriza a situação referindo que, «quando os três terroristas forem caçados, serão levados a um tribunal onde poderão usufruir do privilégio democrático da liberdade de expressão antes de saírem condenados».



A minha questão é a seguinte: Até quando a religião será motivo para matar?

Por todo o valor que a liberdade de expressão e liberdade de imprensa implicam, sublinho a minhas condolências com quem perdeu hoje a vida como preço da luta da reivindicação de um direito constitucional já adquirido e afirmo total convicção nos ideais de liberdade que a França representou e conquistou pioneiramente na sua Revolução, em 1789.

JE SUIS CHARLIE.